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DO CANTO MONÓDICO À POLIFONIA

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Vitor

DO CANTO MONÓDICO À POLIFONIA

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Mensagem por Vitor »

DO CANTO MONÓDICO À POLIFONIA

Estudar a transição do canto monódico ( a uma voz ) para a polifonia ( mais de 2 vozes ) e a evolução deste a partir do início do segundo milênio da era cristã, é acompanhar a revolução mais fascinante sofrida pela música ocidental em toda a sua história.

Voltemos para o século IX. Surgiram nesta época os primeiros textos descrevendo um cantar não monódico. É importante frisar que até este tempo a música era basicamente monódica, não importando se em grupos ou em solo, com instrumentos ou não. A partir deste período é que poderemos observar uma evolução sistemática na nova maneira de cantar.

É provavelmente Regino de Prüm, em sua obra DE HARMONICA INSTITUTIONE, o primeiro a usar o termo ORGANUM para o cantar em vozes superpostas. Também o famoso monge HUCBALD ( 840 - 930 ) da Bélgica,faz referência ao organum em sua obra DE HARMONICA INSTITUTIONE. Mas é na obra MUSICA ENCHIRIADIS, cujo autor não se sabe ao certo quem foi, que informa sobre a prática do organum.

Existiam dois tipos de organum. No primeiro as vozes cantam em quartas e quintas paralelas ou, no caso de mais de duas vozes, em acordes contendo somento intervalos de oitava, quinta e quarta. Veja o exemplo abaixo:


Esta maneira de cantar não permite falar ainda em polifonia, termo que significa independência de vozes superpostas.

O segundo tipo de organum já apresenta um certo grau de independência entre as vozes pois aparecem, ao lado do movimento paralelo, os movimentos oblíquo e contrário. Veja o seguinte exemplo:



Notemos que os dois exemplos são do repertório sacro, o canto gregoriano, dividido em Parte superior ( vox principalis ) e parte inferior ( vox organalis ). Este segundo tipo de organum constitui o começo da polifonia, pois nele surgem os primeiros sinais de independência das vozes. O valor melódico da vox organalis ( parte inferior ) ainda é quase nulo.

Nos próximos dois séculos seguintes não há modificações expressivas. Mesmo GUIDO D'AREZZO ( monge beneditino, nascido em 995 ) ainda trabalha com duas faixas melódicas distintas, em movimento contrário, porém elas ainda estão amarradas pelo rítmo. Há independência melódica, mas não rítmica. A polifonia aqui é um contraponto NOTA-CONTRA-NOTA .

Quando fazemos superposição de duas ou mais melodias ( faixas horizontais ) implica necessariamente na criação de uma harmonia ( dimensão vertical ). Com a harmonia surgem as noções de CONSONÂNCIA E DISSONÂNCIA. Pitágoras ( matemático grego ) justificava com argumentos matemáticos que eram consonantes os intervalos de oitava, quinta e quarta justas e uníssono pelo fato de as razões entre as frequências, ou entre os comprimentos de corda correspondentes serem simples. Nos demais intervalos as razões não são simples e, por isto, eram classificados como dissonantes.

As linhas melódicas são representadas por melodias na horizontal e na harmonia são postos como agregados de sons simultâneos, na dimensão vertical. Estes agregados são chamados ACORDES, que hoje tem uma significação que naquele tempo não havia. Os acordes eram um encontro inevitável de duas ou mais melodias. Não existiam ainda regras de utilização, um sistema harmônico.

Voltando ao conceito de CONSONÂNCIA e DISSONÂNCIA , mesmo sendo relativo o seu conceito de acordo com Pitágoras, é certo afirmar que os intervalos de oitava e uníssono nos dão uma sensação de repouso total, não apresentando tensão, nem a menor tendência para outro intervalo. Na quinta justa a tensão é um pouco maior, embora o caráter de repouso continue. Da quinta justa para a quarta justa a tensão aumenta mais um pouco.

A independência rítmica entre as vozes de um ORGANUM, datam do início do século XII, passando a se chamar ORGANUM LIVRE. O Cantus Firmus passa então para a voz inferior e para cada nota da voz principal, eram cantadas muitas notas em melisma. Em vista da grande duração das notas do cantus firmus, o ouvido perde toda a conexão entre elas e perde o sentido melódico.



O CANTUS FIRMUS deste ORGANUM é o seguinte:



Este era o estado da polifonia quando surgiu uma escola que se tornaria famosa pela arte do contraponto, coincidindo com o surgimento do estilo gótico na arquitetura. Juntamente com a construção da catedral gótica de Notre-Dame de Paris, e graças ao dinamismo do bispo Maurice de Sully criou-se uma escola de música durante o final do século XII , liderando a evolução da polifonia. Muitos mestres ficaram esquecidos no anonimato, pois não era costume datar nem assinar suas obras. Destacam -se no entanto dois grandes nomes deste período: Magister Leoninus e Perotinus.

O que eles trouxeram de tão importante para a polifonia?

Eles modificaram o rítmo da linha superior e isto trouxe a necessidade de criar uma notação que fosse adequada à nova música. Somente a partir do século XIII haveria de se iniciar uma transformação no sistema rítmico, surgindo aos poucos uma notação proporcional aos valores das notas. Muitas outras modificações foram trazidas por esta nova escola, onde a criação de pequenos motivos melódicos repetitivos, chamados figura, serviriam de modelo para posteriores improvisações, característica importante da música gótica até o século XV. As linhas contruídas se tornarão verdadeiros mosaicos de fragmentos melódicos, isto é, de fragmentos rítmicos.




As linhas melódicas não apresentam convergência de pontos culminantes. São linhas que evoluem sem tensão, não formam um todo ; trata-se literalmente de mosaicos.

O emprego de modos rítmicos confere às linhas melódicas dos ORGANA E CLAUSULAE ( Leoninus e Perotinus ) um dinamismo diferente do canto gregoriano. Maior vivacidade, mais energia, com um fluir tranquilo e ondulado das melodias do cantochão.

Como soam estas músicas aos nossos ouvidos, acostumados à harmonia dita clássica? Na música gótica ,a base harmônica não é constituída pelos acordes perfeitos. Os pontos de repouso harmônico são realizados por acordes em cuja composição entram oitavas, quintas e quartas justas e o uníssono. As dissonâncias ocorriam, em regra, nos tempos fracos. Outra característica importante desta música é que havia constantemente o cruzamento das vozes. Os compositores renascentistas e barrocos separam cuidadosamente as vozes em planos superpostos.

Bibliografia: História e significado das formas musicais; Bruno Kiefer
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